É fim de tarde, o sol desce no horizonte e traz aquele silêncio de um tempo limítrofe. A água do mar me chama, num apelo surdo, hipnótico. Entro devagarinho e sinto o silêncio; sobe cálido pelos pés, pernas, contornos, sexo, cintura. Mergulho e a água envolve-me como um afago. Sinto o corpo distensionar, músculo a músculo, fibra a fibra, poros e pensamentos. Inspiro e o silêncio me penetra, ecoa pelo corpo, expande os pulmões, aquieta a pulsação, suspende o tempo. O vento sopra solidão sobre a pele. Mexo mãos e pés, deslizo dedos sobre superfícies imaginárias, o teu corpo, o meu. Os olhos fechados tornam-se lúcidos; voltam-se para outro mundo, aquele que deixei há tantas vidas. Nele me encontro, e vejo-te, à espera. Estiveste sempre aí? O toque se materializa e sinto: são arraias, grandes e pequenas, várias, muitas, numa dança etérea, um voo fora do ar. Circundam-me, algumas se enterram na areia, como ouro profundo à espera de revelação. Ondulo como elas, voo com elas, deixo-me ficar, entregue a essa liberdade momentânea. Nossas superfícies se encontram, num prazer mútuo. Subitamente, algo me faz abrir os olhos. Anoiteceu sem que me desse conta. A maré subiu, a água que chegava à cintura quase me cobre inteira. Perdi-me em devaneios e me desnorteei. Volto-me sobressaltada à procura da praia, da textura da areia, da referência. Tenho medo de ser levada pela correnteza. As arraias continuam a nadar, alheias ao meu pânico; elas que eram parte de mim, agora me parecem estranhas, ameaçadoras. Não consigo tocar a areia; engulo a água salgada, engasgo-me. Sinto falta de ar e preciso me concentrar para não afundar por completo. Os olhos abertos não servem para muito na escuridão da realidade. A noite acontece dentro de mim e já não estás. Percebo que me estou a mover, um nado instintivo que me tira do desespero. Aliviada, agora sei onde está a praia e esforço-me na intenção de chegar até lá. Ganho ritmo, a respiração torna-se cadenciada; a praia está logo ali, à frente, penso, e quase consigo sentir um pouco do prazer de antes. Nado mais e mais, porém algo está diferente, desestabiliza a determinação. Começo a duvidar da direção que escolhi; volto a olhar em redor e não distingo nenhuma silhueta, nenhum vestígio de terra firme. Constato que me enganei: nadei em direção ao mar aberto e não chegarei a lugar algum. O tempo cai pesado sobre mim, empurrando-me para baixo. A exaustão toma conta e já não há volta possível. As arraias voltam a circundar-me; aprisionam-me, fantasmáticas. Fecho novamente os olhos antes da entrega. E penso em ti.
Isto somos nós
depois morremos
(desculpa)
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penso que sim… (mas por que o pedido de desculpa?)
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imagem e texto e alguém / pessoa / mistério maravilha e real: intransponível porque mutante! Sei lá! Como gostei!
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sempre há o desconhecido em nós… bom que gostaste
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