Nude #7

White room whose walls,
having neither planes nor curves nor angles,
are composed of a continuous satiny white membrane

like the flesh of some interior organ of the moon.
It is a living surface, almost wet.
Lucency breathes in and out.

words by Anne Carson (Glass, Irony & God)

(im)permanências

o jeito que o vento agita os cabelos
o brotar de um sorriso no canto da boca
o olhar de espanto de uma criança quando descobre o ir e vir do mar
o toque dos lábios noutros lábios pela primeira vez
e a pele que arrepia

o encontro do abraço
e as pulsações que se alinham

o sussurro do medo no meio da noite
a leitura daquele poema que me faz chorar
o raio do início dos tempos, do tempo do amor
e o teu rastro em mim

o pânico antes da queda
a dor da despedida
e a excitação da chegada

quando o dedo aciona o disparador da câmera
porque sabe que é o momento
quando fecho os olhos e vejo a luz que atravessa o tecido no varal
a palavra coagulada no papel
o exato instante em que sei que me chamas do outro lado do mundo
e o estalo de uma folha seca que se desprende do galho

o som da respiração do tempo
o último suspiro da minha mãe
e a primeira inspiração da minha menina

tudo o que me atravessa a alma é efemeramente eterno.
a alma é onde (im)permaneço.

_____________

(im)permanence

the way the wind ruffles someone’s hair
the sprout of a smile in the corner of the mouth
the look of amazement on a child when she discovers the coming and going of the sea
the touch of lips to other lips for the first time
and the skin that shivers

the encounter of a hug
and the pulses that align

the whisper of fear in the middle of the night
the reading of that poem that makes me cry
the ray of the beginning of time, the time of love
and your trace in me

the panic before the fall
the pain of parting
and the excitement of arrival

when the finger triggers the camera shutter
because it knows it is time
when I close my eyes and see the light that passes through the fabric on the clothesline
words coagulated on paper
the exact moment when I know you call me from the other side of the world
and the snapping of a dry leaf as it detaches itself from the branch

the sound of the breathing of time
my mother’s last breath
and my little girl’s first inspiration

everything that crosses my soul is ephemerally eternal.
the soul is where I am (im)permanent.

(Ana Gilbert)

Fotografar palavras #3834

Dizes que o teu corpo sonha,
Que os teus dedos sonham
A tua pele,
Os teus lábios.

Dizes que o teu coração sonha.

E os teus olhos.
Dizes que os teus olhos sonham tanto,
Mas tanto,
Mesmo quando estão fechados.
Especialmente quando estão fechados.

Como sangue,
Dizes tu.

Sorris e explicas
Que o teu corpo está repleto de multidões de sonhos
Entranhados nas tuas células.
Do lado de dentro das células.
Na alma de cada uma das células.

Sorris
E explicas que são esses sonhos que te dão vida.
Como se fossem sangue.

Um fluxo permanente e imparável
De sonhos.

Gostava de te fazer uma pergunta:

Se o teu corpo tem em si todos esses sonhos,
Porque não os sinto quando me beijas?

Apenas me dás saliva.
Não sinto sangue
Nem sonhos.


[You say your body dreams,
your fingers dream
Your skin,
Your lips.

You say your heart dreams.

And your eyes.
You say your eyes dream so much.
But so much,
Even when they are closed.
Especially when they are closed.

Like blood,
You say.

You smile and explain
That your body is full of multitudes of dreams
Ingrained in your cells.
Inside the cells.
In the soul of each of the cells.

You smile
And explain that those dreams are what give you life.
As if they were blood.

A permanent and unstoppable flow
Of dreams.
I would like to ask you a question:

If your body has all those dreams in it,
Why can’t I feel them when you kiss me?

You just give me saliva.
I do not feel blood
Nor dreams.]

Texto | Text: Paulo Kellerman
Fotografia | Photography: Ana Gilbert

Fotografar palavras

Cumplicidade bonita entre palavra e imagem, entre literatura e fotografia, entre escritores e fotógrafos. Dose diária de poesia, desde 2016.

Geografias Corporais

A cortina abre… o espetáculo vai começar…

Sou o primeiro a chegar à sala de
espectáculos. Enquanto espero vou
pensando em coisas sem importância.
Pergunto-me se as árvores terão frio à noite ou se os livros que estão nas livrarias ficarão muito nervosos por não saberem quem os levará para casa ou se no falar dos cães haverá um ladrar para dizer a palavra “borboleta” ou se será possível os pássaros darem abraços ou porque nunca se escuta o som das nuvens quando passam pelo céu.
A minha cabeça é o único sítio onde sou realmente livre, e lá posso pensar coisas palermas sem que ninguém me chateie ou ria. Posso pensar em pássaros ou livros, posso pensar na angústia que as canetas sentirão quando se lhes acaba a tinta; ou em cadeiras. Porque enquanto espero outra coisa que me pergunto é se haverá um motivo para me ter sentado na cadeira onde estou, quando todas as outras estavam livres e poderiam ser uma opção. O que terão pensado de mim as cadeiras que não escolhi?

É nisto que estou a pensar quando ela entra e olha a sala. Depois de uma breve hesitação, avança rapidamente entre as cadeiras e senta-se. Poderia escolher qualquer outro lugar mas senta-se mesmo ao meu lado, ignorando todas as outras cadeiras livres.
Fico quieto, à espera. É bom esperar, mesmo quando se sabe que não irá acontecer nada.
Na liberdade da minha cabeça penso: cheira tão bem, que perfume usará?
Mas tudo o que a minha voz é capaz de dizer é:

Boa noite.


GEOGRAFIAS CORPORAIS

Fotografia: Ana Gilbert | Texto: Paulo Kellerman

Alter Edições, 2022.

Design Gráfico: Licínio Florêncio | Coordenação Editorial: Eder Ribeiro

encomendas: geografiascorporais@gmail.com

[ENGLISH VERSION AVAILABLE]