observo a lentidão do teu gesto. [o toque suave da renda] a mão pequena [onde cabe o mundo] o corpo desnudo [o desejo a descoberto] observo as articulações que se movem [hipnótico] dedilham memórias que espreitam inocentes [indecentes] feitas de luz [sombra] deixam a pele marcada [cicatrizes inexistentes] pela eternidade [dolorosa] dos encontros imprecisos [improváveis]
o jeito que o vento agita os cabelos o brotar de um sorriso no canto da boca o olhar de espanto de uma criança quando descobre o ir e vir do mar o toque dos lábios noutros lábios pela primeira vez e a pele que arrepia
o encontro do abraço e as pulsações que se alinham
o sussurro do medo no meio da noite a leitura daquele poema que me faz chorar o raio do início dos tempos, do tempo do amor e o teu rastro em mim
o pânico antes da queda a dor da despedida e a excitação da chegada
quando o dedo aciona o disparador da câmera porque sabe que é o momento quando fecho os olhos e vejo a luz que atravessa o tecido no varal a palavra coagulada no papel o exato instante em que sei que me chamas do outro lado do mundo e o estalo de uma folha seca que se desprende do galho
o som da respiração do tempo o último suspiro da minha mãe e a primeira inspiração da minha menina
tudo o que me atravessa a alma é efemeramente eterno. a alma é onde (im)permaneço.
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(im)permanence
the way the wind ruffles someone’s hair the sprout of a smile in the corner of the mouth the look of amazement on a child when she discovers the coming and going of the sea the touch of lips to other lips for the first time and the skin that shivers
the encounter of a hug and the pulses that align
the whisper of fear in the middle of the night the reading of that poem that makes me cry the ray of the beginning of time, the time of love and your trace in me
the panic before the fall the pain of parting and the excitement of arrival
when the finger triggers the camera shutter because it knows it is time when I close my eyes and see the light that passes through the fabric on the clothesline words coagulated on paper the exact moment when I know you call me from the other side of the world and the snapping of a dry leaf as it detaches itself from the branch
the sound of the breathing of time my mother’s last breath and my little girl’s first inspiration
everything that crosses my soul is ephemerally eternal. the soul is where I am (im)permanent.
Finalmente entendi Por que motivo algumas pessoas se suicidam.
Foi ontem: Acordei abruptamente e soube que não conseguiria voltar a dormir. Soube que tudo o que havia a fazer era deixar-me estar quieto. Esperar. Sentir o tempo passar E remoer os pensamentos. Os mesmos pensamentos de sempre, Um após outro. O desfile completo, Previsível, Imparável.
Remoê-los devagarinho uma vez mais. E uma vez mais, Chegar a lado nenhum.
Será que algum pensamento pode Algum dia Conduzir a algum lado?
O meu sonho maior é conseguir dormir E durante o sono sonhar que estou acordado e livre de pensamentos.
Mas o desfile nunca pára. E há momentos, Como ontem, Quando acordei abruptamente e percebi que não conseguiria voltar a dormir, Há momentos Em que fico um pouco desesperado.
Só um pouco. Mas e se um dia ficar muito?
Foi então que telefonei para te dizer: Finalmente entendi Por que motivo algumas pessoas se suicidam.
É quando o pouco se transforma em muito.
Sim, Eram quatro da manhã e estavas a dormir. Mas a pergunta não me saía da cabeça, Precisava de verbalizá-la: E se um dia ficar muito desesperado?
Desligaste o telefone, Voltaste a dormir. O que sonhaste?
E QUANDO ACABAREM AS PERGUNTAS? Edição Sem Editora
O Paulo tem a poesia no olhar, e tem a capacidade de criar inúmeras imagens com as palavras: imagens belas, todas, algumas terríveis em sua beleza. Gosto de como fala das relações humanas (e nos poemas não é diferente); de como o relacionar-se com o outro envolve o relacionar-se consigo mesmo. E do tom melancólico que os poemas carregam, mesmo que de forma muito sutil (junto com a sedução, a paixão, a curiosidade, a leveza). No livro, há uma busca interna profunda, desesperançada até, mas há também a vontade de seguir… porque não se pode abandonar a morte (das coisas, das relações, dos momentos, a nossa), porque isso seria abandonar a vida (com tudo o que ela provoca e permite). Vida e morte, sempre juntas; a angústia disso, a plenitude disso.
Não sei o que prefiro: Se o beijo Ou aqueles três segundos que antecedem o beijo.
Aqueles três segundos em que tudo é certeza E desejo, Destino e inevitabilidade. Os três segundos que parecem explicar e justificar A existência do Universo, E dar sentido à vida.
Preferes o beijo ou os três segundos que o antecedem?
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E QUANDO ACABAREM AS PERGUNTAS? Edição Sem Editora