
Por vezes, tudo o que apetecia era respirar. Respirar, simplesmente. E era o bastante.

Por vezes, tudo o que apetecia era respirar. Respirar, simplesmente. E era o bastante.


Liturgias
Poemas são orações que se escutam nas ruínas de um convento
São rezas matinais em busca da salvação
Poemas são murmúrios de monjas enclausuradas
Que escrevem palavras ilegíveis com os pés no chão de pedra
São como credos depositados no altar para dizer a nossa solidão
Poemas são cânticos de louvor entoados por anjos exilados
Em igrejas à espera de libertação
Anunciações de uma verdade pura e redentora
No ventre impossível de uma virgem estéril
Contas de um rosário de Ave Marias
A procurar narrar o mistério do mundo
Poemas são flagelos
Chagas abertas em corpos incomunicáveis e crucificados como o meu
Sem sacrifício ou Agnus Dei profético que o consiga resgatar
Poemas são rituais litúrgicos
Pautas de música gregoriana com o som da tua voz a ecoar dentro de mim
Livro de Salmos de um amor impossível.
Liturgies
Poems are prayers heard in the ruins of a convent
They are morning prayers in search of salvation
Poems are the murmurs of cloistered nuns
Who write illegible words with their feet on the stone floor
They are like creeds placed on the altar to tell of our loneliness
Poems are songs of praise sung by exiled angels
In churches waiting for liberation
Announcements of a pure and redeeming truth
In the impossible womb of a sterile virgin
Beads from a rosary of Hail Marys
Trying to narrate the mystery of the world
Poems are scourges
Open wounds on incommunicable and crucified bodies like mine
With no sacrifice or prophetic Agnus Dei to rescue it
Poems are liturgical rituals
Staves of Gregorian music with the sound of your voice echoing inside me
A book of Psalms for an impossible love.
Texto | Text: Ana Paula Jardim
Fotografia | Photography: Ana Gilbert
FOTOGRAFAR PALAVRAS, este nosso projeto bonito, criado e dinamizado pelo Paulo Kellerman


Você
tem que aprender
a respeitar a vida humana, disse o juiz.
Parecia justo.
Mas o juiz
não sabia que, para muitos,
a vida não é humana.
O prisioneiro retorquiu:
há muito me demiti de ser pessoa.
E proferiu, por fim:
um dia,
a nossa vida será, enfim,
viva e nossa.
Mia Couto [poemas escolhidos]

“Each morning a vision came to me. Gradually I understood that these were naked glimpses of my soul.
I called them Nudes.
Nude # 1. Woman alone on a hill. She stands into the wind.”
Anne Carson (The glass essay)

“I said to my soul, be still, and wait without hope
For hope would be hope for the wrong thing; wait without love
For love would be love of the wrong thing; there is yet faith
But the faith and the love and the hope are all in the waiting.”
T.S. Eliot (Four quartets)

Questionamento
A imortalidade da alma?
Só penso nisso quando estou distraída
E nunca ao amanhecer e antes de tomar café
Que ainda carrego as ideias doentes de noites mal dormidas
A minha noção de alma é mais homérica
Tipo fumaça ou sombra que se desprende do corpo
Ou então um sopro em vão à maneira de Anaxímenes
Também tenho almas místicas, órficas e pitagóricas
Depende dos dias
Nunca platónicas de forma imortal
Não vá a reminiscência de algum marginal
Criminoso ou esquizofrénico fazer ninho dentro de mim para sempre
Não sei nada sobre estas questões
Nem tenho paciência para as discutir em dias que tenho a mente do avesso
Só sentir a alma em quedas verticais dentro de mim.
Questioning
The immortality of the soul?
I only think about it when I’m distracted
And never at dawn and before drinking coffee
Because I’m still carrying the sick ideas of bad nights
My notion of the soul is more homeric
Like smoke or a shadow that detaches itself from the body
Or a breath in vain in the manner of Anaximenes
I also have mystical, Orphic and Pythagorean souls
It depends on the day
Never platonic in an immortal way
Don’t go reminiscing about some outcast
Criminal or schizophrenic nest inside me forever
I don’t know anything about these issues
Nor do I have the patience to discuss them on days when my mind is inside out
I can only feel my soul falling vertically inside me.
Texto | Text: Ana Paula Jardim
Fotografia | Photography: Ana Gilbert
Fotografar palavras, a nossa casa de criação. Projeto criado e coordenado por Paulo Kellerman. Publicações diárias, desde 2016.

“uma história não vale por si, mas pelo que produz no outro, se desilusão ou encantamento, se muito ou pouco.
é só um jeito de lembrar que o mundo não basta.”
João Anzanello Carrascoza (Conto para uma só voz)

O corpo marcado pelo azul da cidade



[of the little ends]



estud(i)o

releituras | reinterpretations. Pina Bausch.

[releituras | reinterpretations. Pina Bausch]

Fecha-se. Na casa sem janelas. Protege-se. Alheia-se do mundo. Quer esquecer o tempo; envelhecer na dor. A alma, rubra, escapa pelas cicatrizes.
[She closes herself off. In the windowless house. She protects herself. Alienates herself from the world. She wants to forget time; to age in pain. The soul, ruddy, escapes through the scars.]

They don’t understand
They don’t understand
They don’t understand
They don’t understand
And all I need is you
Just all I need is you
They don’t understand
‘Cause they don’t talk for me
There ain’t no master plan
I came here to make peace
I’m only made to suffer
I’m only made to care
And all the time in the world
Gonna wish until it hurts
‘Cause they don’t understand
And all I need is you
But you don’t know it’s true
And all I need is you
But you don’t know it’s true
It’s impossible
Unbelievable
Do you see it now?
Do you see it now?
And our lives coming back to the start
Back to the start
Back to the start
Back to the start
Back to the start
(Anathema)

“mas quem ficará com os meus abismos se os pobres-diabos não ficarem?”
(Manoel de Barros)

Half of me is solitude and the other half too.

Se eu fosse uma coisa,
que tipo de coisa
seria?
Se eu fosse um animal,
que tipo de criatura
seria?
Se eu pudesse ser eu mesmo,
que tipo de humano
poderia ser?
If I only were a thing,
what kind of thing
would I be?
If I only were an animal,
what kind of creature
would I be?
If I only could be myself,
what kind of human
could I be?
Texto | Text: Ray Meller
Fotografia | Photography: Ana Gilbert

“body is most elusive”
(James Hillman)

Mais um ano… mais pessoas que se aproximam… e isso faz todo o trabalho valer a pena.
Um obrigada gigante a quem se mantém por perto e frequenta regularmente esta minha casa… mas também a quem se aventura e chega aqui por acaso ou acidente, mesmo que não se demore. Porque este espaço só se completa com a sua presença e o seu olhar. Espero que faça sentido…
“Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.” (Manoel de Barros)
