
as paredes pulsam histórias.
(A sonhadora, 2022)
[por seres tão inventivo | e pareceres contínuo | tempo, tempo, tempo, tempo | és um dos deuses mais lindos – Caetano Veloso]

as paredes pulsam histórias.
(A sonhadora, 2022)
[por seres tão inventivo | e pareceres contínuo | tempo, tempo, tempo, tempo | és um dos deuses mais lindos – Caetano Veloso]

medo. a dominação que nos separa.
[ensaio com Ana Sofia Elias]

Texto do Jorge VAz Dias sobre AISHA, no Jornal de Leiria.
Obrigada, poeta, por mais esta vida de Aisha.
AISHA, colaboração com Paulo Kellerman | Portable Link
Here I am, where I have always been, in this space that does not belong to me. Or at least, not entirely. I need these moments when I no longer have to exist for the other; when I peel off the makeup of the daily theatre and carefully remove the mask from my body. I face myself without disguise and trace the memories etched in the skin, those that live only in the body and can be unleashed by a single touch. Perhaps I should not touch them, nor even think of them. They open watery spaces that leave me adrift. I avoid speaking of them and shield myself in a shell of silence you do not know. In those moments, my gaze drifts in search of a light that might swallow me whole and spit me out somewhere else, where the muted scream I carry might escape, coarse, through the pores. Yes, there is a scream locked deep inside, a scream of desire. A scream that hides in the crystalline setting, in the perfect arrangement of the room. As if the clarity of the house, the precise focus of my gaze upon the house, could somehow compensate for the disorder that inhabits me. For the pain that pulses incessantly beneath the skin and could be revealed through scanning. I fear that more watchful eyes might notice the slight tremor in the fingers that support my face. Or the involuntary twitch of my eye, the left one. Or the restless shifting of objects, a mechanical act from which I am absent. But you are not attentive. You do not notice the smallnesses that compose my inner landscapes, landscapes that only dare emerge when the world quiets around me and the objects come alive. When I become just another object in our home, perfectly ordered. I, perfectly aligned with the rest. I, perfectly, an object. I could remain like this for hours, motionless, breathing imperceptibly, in the soft undulation of matter. It would be enough not to disturb the peace that invades me. A peace that smells of stagnation, a kind of death that hides in the folds of your gesture. You are sleeping, or perhaps you are simply absent, it is all the same. This time is mine alone, and immersed in this atmosphere, I let the latent desire pour out. I feel it spreading slowly through my body, with a life of its own, seeking out the lesser-frequented corners. It arouses me. It satiates me. I exist in this interval of silence. A silence brimming with life, even if fleeting. I exist in the suspension of light that draws me in. I exist in the seduction that imagination provokes, in the glimmer of reinventing myself. And I tremble. I fear. I still do not know how. The shadows thicken and the light pulls away. Dawn is rising. I return to opacity. Only the consciousness of the skin endures.


A PONTILHISTA
Na respiração do tempo (Minimalista, 2022), Ana Gilbert combina uma escrita ortogonal e com letra de médico com o pontilhismo da poesia.
***
Ana Gilbert apresenta-se como uma contista pontilhista e, eu suspeito que isso só seja possível por ser uma artista multifacetada que traz para a escrita o contágio, a contaminação de outras artes.
Aqui, o tempo (subjectivo e colectivo) – objecto literário escorregadio – tem cor, tem cinematografia (Vardaniana, Kar-Waiana) tem fotogrametria e, por isso, tem respiração. Respirar o tempo no tempo de hoje é muito desafiante e, paradoxalmente, sufocante.
Um livro que traça os caminhos do sangue e do oxigénio, ´o movimento lento – sístoles e diástoles – invisível aos olhos apenas respirável´ – e que nos convida à respiração do tempo – mesmo quando nos encosta contra a violência do sufoco – é, por isso, importante.
´A terra vibra em agonia insuspeita, reverberando fundo e mais fundo, alastrando um grito calado pelo horror. Os homens marcham como demônios. Desarticulados do mundo, as passadas firmes e lentas, e as pessoas olham como se de um filme se tratasse. Ou de uma excentricidade. Uma criança entorta o olhar e vê a arma de outro ângulo. Pensa que é uma brincadeira. E eles seguem. Esmagam o miolo delicado da flor – um dedo; torcem o caule da erva que se espalha – o mamilo de um seio quente. Pisoteiam o cigarro jogado ao chão, que queima lentamente a terra – a vulva que se oferece ao carinho.´ (p. 80, conto Convulsão).
A capacidade de Ana Gilbert para tornar o invisível respirável chega sem pré-aviso. Faz da visualidade, (i)respirabilidade – a partir do olhar dela que é nosso, emprestado. Os olhos-pulmões são centrais nestes contos – olhos cegos, fechados, lacrados, concentrados, tortos, sós, vazios, perdidos, afogados, cansados, melancólicos, aquosos, inquietos, mas também lúcidos, espantados, sonhadores e atravessados de poesia.
Detive-me nesta fotogrametria do parto tão poética – ´Nasces. Como um poema. Lápis em atrito, a despejar palavras desordenadas no papel. Arranhaduras de pele com pele, em abalos convulsivos. A sensação viscosa de morte iminente. A explosão que te leva a uma outra vida num mundo aterrador. (…) Leio-te em voz alta. Reconheço-te. Poema escorreito que desembocou na margem, enfim.´ (p. 65, conto A hora)
Do parto à morte, das mortes aos partos, Ana Gilbert ´Vai repassando as imagens, como num carrossel para diapositivos. A escrita, os fragmentos, os olhos, o olhar.´(p. 38). No tempo sombrio do presente manter os olhos abertos – e continuar a respirar – é um acto de coragem e resistência.
´O que mostrar, o que querem ver? ´(p. 167)
A resposta chega pelo eco da cineasta francesa Agnès Varda: ´If we opened people we´d find landscapes´. Os contos de Ana Gilbert abrem. E encontram atmosferas e superfícies subjectivas cujos eixos, linhas e planos se cruzam formando ângulos rectos de 90 graus. Muros de violência e trauma (luto, solidão, morte, dor, desistência, entropia) encontram chãos ´com um resto de vida ´(p. 27) – prazer e sonhos.
Paredes e chão formam, então, um L perfeito onde o tempo respira: ´movo-me no tempo abissal dos afectos´(p. 26). ´Era ela com ela, era ela sem ela.´(p. 14-15) Comunhão e ausência. Queda e voo.
A sua escrita é, por isso, ortogonal. Atravessada pela perpendicularidade emocional mas também pela perpendicularidade narrativa. Em muitos dos contos, vira do avesso as personagens e a direcção narrativa. E como é frustrantemente prazerosa a ausência de um arco climático resolutivo ou a presença de um desfecho ambíguo ou opaco ou inesperado. Aí ´Não há tempo, apenas intervalo ´. (p. 50) (Para a nossa imaginação.)
Gosto deste elemento na escrita da Ana – dá intervalos para a decifração e para a ausência dela. Escreve contos com letra de médico – com ambiguidade e ofuscação (talvez porque é isso que acontece com a mecânica da memória que atravessa todos os contos e talvez com a própria mecânica do consultório de psicanálise).
No que toca ao erotismo isso é particularmente triunfante. Há pouco erotismo com letra de médico – o meu predileto – na literatura contemporânea, mas a Ana consegue trazer-nos essa caligrafia. Uma caligrafia que parece beber da estética cinematográfica do género dito ´doomed romance ´ com o seu clássico In the Mood for Love de Wong Kar-Wai (2000).
No conto Circum-ambulação a circularidade da escrita cria um efeito de slow motion/câmara lenta, repetição, e mise-en-scène que coloca um holofote no objecto do desejo e na sensação do desejo. Eu não preciso de saber porque é que os protagonistas repararam um no outro para respirar a (in)visibilidade do desejo ou o papel das projeções e defesas – anunciado no espelho – nesse mesmo desejo. O conto não oferece intensidade no desenvolvimento da história e no preenchimento – teatralização ou encenação – das personagens, preferindo uma lenta, arrastada e obsessiva recolha de um momento subtil para disparar e intensificar a emoção. Cada novo reescrever da mesma pergunta a três vozes (do homem, da mulher e do espelho), acrescenta e dilata a tensão porque satisfaz e frustra. A clareza e a opacidade do desejo no mesmo shot. Cair dentro do pântano, da areia movediça do desejo é muito mais diastólico e sistólico para a respiração do leitor. Deixa o sangue bombear e o desejo respirar. Esta concessão é uma abordagem interessante para a escrita do erotismo que teima em não se deixar colonizar pelas nossas caligrafias, mas esta, a da Ana, captou-me por olhar de dentro e de fora para a totalizadora e arrebatadora imediatez da sensualidade e da tesão. De fora, porque usa o espelho para convidar o leitor a participar como voyeur com memória do seu próprio tempo e com pele onde esse tempo e o da estória escorrem simultaneamente – duas bocas acesas no mesmo fogão que exigem atenção.
No conto Histórias possíveis fui levada para a cinematografia do filme Porto (Gabe Klinger, 2017) mas fico-me por uma aproximação muito tímida: ´The camera is a voyeur, looking in at this relationship from without, perhaps from around the corner of a wall, through a window, from another booth in a restaurant, or through a mirror. ´ (online review no site Reddit). Serve isto para realçar que, neste conto, a perpendicularidade narrativa é sublimada.
No entanto, dizer que a Ana escreve com letra de médico não significa o encontro com uma escrita clínica. Pelo contrário, a prosa é poética porque pontilhista. Não é fácil escrever a respiração das emoções mas (tal como fez com o erotismo), Ana Gilbert consegue-o ao entregar-se a uma pintura de pontos com as palavras.
Contista pontilhista, estilisticamente aplica pequenos pontos de cor pura lado a lado na tela do papel (em vez de misturá-los na paleta) que, à distância, se misturam opticamente, criando uma imagem mais vibrante e luminosa mesmo quando aquilo que o tempo (da leitura) respira (e nos dá a respirar) é sombrio e violento – tão violento que a nossa própria respiração fica suspensa, comprometida, engasgada, presa, sufocada. Isso aconteceu-me nos contos Convulsão e Estado onírico: ´ Um gato se aproxima, atraído pelo odor dos peixes. O homem cego toma o gato como se peixe fosse e esfrega o gato/peixe para lhe tirar as escamas/pele. O gato morre em carne viva e o homem cego sorri em sua máscara grotesca. Tenho nojo. ´(p. 73).
A pintura de pontos começa logo na seleção de micro-contos que precedem cada conto. As cores são puras. Evita o uso de cores misturadas para obter uma maior intensidade e luminosidade na sua escrita (como já vimos em relação ao erotismo). Zona crepuscular impressionou-me pela beleza da cor da nostalgia que ela consegue isolar através do carácter fantástico e evocativo da sua escrita: ´Estiveste sempre aí? O toque se materializa e sinto: são as raias, grandes e pequenas, várias, muitas, numa dança etérea, um voo fora do ar. Circundam-me, algumas se enterram na areia, como ouro à espera de revelação. Ondulo como elas, voo como elas, deixo-me ficar, entregue a essa liberdade momentânea. Nossas superfícies se encontram, num prazer mútuo.´ (p. 107). Para mim, a raia foi um desses pontos de cor pura que não precisa ser misturado à priori com outras cores, outros pontos – o súbito anoitecer, a maré alta, a correnteza – para criar uma ilusão sensorial que está, afinal, enraizada na minha própria realidade. Isto acontece por causa da ilusão óptica, quando ela me convida a ser a misturadora interpretativa das cores que ela pinga para o papel. Uma espécie de ilusão de Chevreul mas no plano literário. Encontramos bordas brilhantes entre tiras adjacentes de cores puras.
´ Fragmento a fragmento, dia após dia. Um mosaico de imagens, um tipo de colagem que reunia as suas partes dispersas. Ando em busca dos fragmentos de mim como naqueles quebra-cabeças de infinitas peças.´(p. 37, conto A Guardiã de sonhos).
As cores dominantes – azul e vermelho.
´Uma nuvem de pássaros tinge o azul do céu com gritos vermelhos. ´(p. 80); ` A onda apareceu diante dela, o vermelho alastrou-se, o vale foi inundado.´ (p.37).
Nos 29 contos que dão corpo ao livro, este ´carnaval de rua ´(p.35) co-existe com uma tela a preto e branco, lembrando-me a estética do filme Poor Things de Yorgos Lanthimos (2023) em que opressão (pathos) e liberdade/emancipação (a sede de aventura, descoberta, inocência, curiosidade, surpresa e re-aprendizagem do mundo) não seguem uma lógica linear (uma lógica que é perturbadora e mágica ao mesmo tempo):
“nenhum sorriso, apenas eletricidade; corrente contínua em circuito fechado. as duas, etéreas, no lugar do não-lugar, em travessia. azul.” (p.45)
´sinto-me um gigante invencível, sou violência e ocupo um espaço neste mundo feito de praça e sangue, sou corpo e existo fora do pântano, sou ritmo e o tempo volta a passar [explosão]´ (p.57).
Explosivo é o ritmo e o encontro com as ilustrações delicadamente pontilhistas da Maraia – ´a escrita precisa de pele´. Também o minimalismo da edição respeita os poros da escrita.
O último fio de prumo que vou lançar para dentro deste livro violentamente bonito recai sobre os contos Meditação, Cena e Escrita onde encontro um paralelo com Helena Almeida, uma das artistas plásticas mais importantes da arte contemporânea portuguesa. Ana Gilbert reflecte sobre o uso do auto-retrato e sobre o processo criativo com a mestria inspirada – leia-se liberdade, multidisciplinaridade e experimentalismo – com que Helena Almeida criava.
´Ando em círculo; os ciclos voltam. O trabalho nunca está completo, tem de se voltar a fazer. O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o teto, o canto, o chão; depois, o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar de emoções. São maneiras de contar uma história´. (Helena Almeida, citada em: Carlos, Isabel – Helena Almeida: Dias quase tranquilos. Lisboa: Editorial Caminho, 2005, p. 13.)
No diálogo imaginário que me atrevo a entreter Ana Gilbert responderia: ´Começou a tecer sua própria filigrana e se descobriu capaz de criar parcerias de enfeitiçada sonoridade que ecoavam no espaço, provocando a sua estabilização. O tempo encolheu e ganhou a regularidade do ritmo; aos poucos, as formas começaram a ganhar definição. Olhou-se ao espelho e percebeu as mudanças. A pele, tornada texto, reluzia.´ (p.173).
Não é por acaso que o meu primeiro ímpeto quando li Ana Gilbert tenha sido escrever um poema blackout a partir do pontilhismo reluzente de um dos seus contos. Foi um desvio egoísta, pressentindo que ao escrever ´a sério ´ sobre o que ela escreve ´sofreria com a minha incapacidade para decifrar-te ´ (p. 139). Os astrónomos egípcios discordariam de mim, mas existem livros que não se querem alinhados a fio de prumo. No entanto, eu tentei procurar a estrela polar que sustentasse a (tua) poesia. Aqui está[1].
24 Junho 2025
[1] Agora vou ´à varanda fumar um cigarro, como de costume´ (p.31) e reler o primeiro parágrafo do conto Existência que começa assim ´Não sei bem como começou. Há muito que os dias estão sem contornos. Só sei das horas em que consigo fumar e esquecer de mim. (…) Debato-me e não saio do lugar. Não há onde possa segurar, alguém que me possa amparar. Apenas este sabor a morte, este cheiro acre que me devolve a presença do mundo, este mundo feito de mijo, vómito e merda. Afundo.´ (p.55). Fumo e espero que a noite chegue para continuar a procurar estrelas polares. De manhã, lançarei mais fios de prumo até piramidizar ´ um mundo em miniatura, feito de vida e verde, que lhe era mostrado por uma mulher que dizia: – Vê: o deserto não é tudo, é apenas preâmbulo de algo que está prestes a brotar… ´ (p. 152). E acredito, frouxamente, em predestinações. Note-se: Frouxamente é um advérbio optimista.

demora-se na inspiração do tempo
desdobrar-se-á na expiração

Texto do Jorge VAz Dias sobre o nosso LATITUDES, para o Jornal de Leiria.
Viste (e sentiste) o que está lá para ser descoberto. Obrigada, amigo poeta.
Texto completo aqui.

Neste momento, há pouco o que celebrar no mundo. São tempos sombrios que lançam múltiplos reflexos distorcidos e angustiantes.
Contudo, a vida pequena, cotidiana, continua e é preciso que seja assim. Pequenas joias aindas são lapidadas nas relações humanas. Rastros de luz ainda penetram pelas fissuras e emocionam ao revelarem a beleza que persiste.
Já são oito anos deste espaço do blog. Por aqui passaram várias vidas, vários olhares, (anônimos ou nem tanto), várias de mim.
O meu espanto é sempre enorme ao constatar que ainda há pessoas que param o tempo e se dispõem a olhar, ver e sentir. E isso faz valer a pena.
O meu obrigada e o meu sorriso.
“O que vemos, o que nos olha.”
Georges Didi-Huberman

At this moment, there is little to celebrate in the world. These are dark times, casting multiple distorted and distressing reflections.
And yet, ordinary, everyday life goes on, and it must. Small gems are still being polished in human relationships. Traces of light still slip through the cracks and move us, revealing the beauty that endures.
It has now been eight years since this blog space began. Many lives have passed through here, many gazes (anonymous or not so anonymous), many versions of myself.
I’m always deeply moved to realize that there are still people who pause time and choose to look, to see, to feel. And that makes it all worthwhile.
My thanks and my smile.
“What we see, what looks back at us.”
Georges Didi-Huberman







Ontem foi bonito. Obrigada a quem veio à Casa da Lídia, em Leiria, e a quem esteve presente em intenção.
Apresentação de LATITUDES, com a Cristina Vicente e inauguração da exposição Varal / Estendal Fotográfico com fotos dos projetos AISHA, com o Paulo Kellerman, e LATITUDES.
fotos: Silvia Bernardino

a vida arranha menos num abraço.
[isto também é sobre Gaza]

Cada vez que venho a Portugal, aproveito ao máximo os encontros com os amigos.
Desta vez, para celebrar os projetos AISHA, com o Paulo Kellerman, e LATITUDES, com a Cristina Vicemte, organizamos, em parceria com esse espaço fantástico que é A Casa da Lídia, um varal / estendal fotográfico com fotografias dos dois projetos. Mais um motivo de encontros e afetos.
Inaugura no sábado, dia 31 de maio, às 16 horas, junto com a apresentação do livro Latitudes e ficará por lá à espera da visita de vocês.
Apareçam.
[flyer: Licínio Florêncio]

Fotografias e textos: Cristina Vicente & Ana Gilbert
LATITUDES é resultado de uma cumplicidade entre mulheres, entre fotografia e literatura, entre norte e sul.
Uma cumplicidade de olhares e afetos que vai além das fronteiras geográficas; aproxima as latitudes e traz a circularidade das estações do ano.
Em costura perfeita das nossas estações, o belo posfácio do amigo Paulo Kellerman.
Design do querido Licínio Florêncio
edição limitada e numerada
[bilingual edition]
No sábado, 31 de maio de 2025, estaremos na Casa da Lídia para conversar sobre LATITUDES. Apareçam!


Em algum lugar no tempo, há sempre uma dança a acontecer.

Observa: olhos como dedos, dedos que querem tocar.

a recusa que nos separa.

Copiosamente, a mão esquerda que alisa os lugares acantonados.
Copiosamente, reparo.
A sensualidade tem cheiro de filme:
mãos garrafais
queixo nas mãos.
Espelho.
Madeira sólida.
Arrisco histórias.
Cabelos
que chamam dedos que os acariciem.
Um pescoço que pede uma boca
E agora?
Indefinível.
Leve desleixo.
Também a sensualidade
Furou as nuvens.
_____
BLACK OUT POETRY do meu conto Histórias possíveis (A respiração do tempo, Minimalista, 2022), pela bonita Ana Sofia Elias.
Ao se observar ao espelho repara no homem atrás dela.
O homem está atrás dela para que repare nele quando se observar ao espelho.
Observa-se ao espelho apenas para reparar no homem atrás dela.
Somente observando-se ao espelho pode reparar no homem atrás dela.
Repara que pode observar pelo espelho o homem atrás dela.
O homem que está atrás repara que ela se observa ao espelho.
O espelho observa que ela repara no homem que está atrás.
Observa-se ao espelho e há um homem atrás dela que repara.
Só observa o homem que está atrás ao reparar nela no espelho.
Observa pelo espelho o homem que repara que está atrás dela.
Repara que o homem atrás dela se observa ao espelho.
O homem atrás dela repara que é observado pelo espelho?
Espelha-se ao ser observada pelo homem atrás que repara nela.
Atrás dela, o homem. Ao observar-se ao espelho, repara.
O espelho atrás repara que o homem a observa.
O homem e ela só se observam porque atrás o espelho repara.
Sendo ela repara que o homem atrás a observa pelo espelho.
Repara no homem que observa atrás do espelho.
Observadora, repara no espelho atrás do homem.
Reparem como observa pelo espelho o homem atrás dela!
O homem atrás repara no espelho e ela observa.
Atrás do espelho o homem e ela reparam e se observam.
Observam que ela repara no homem atrás dela pelo espelho?
Repara-se quando o homem atrás dela a observa pelo espelho.
Observa o espelho atrás do homem. Ele repara nela.
Quando reparará que o homem atrás dela a observa pelo espelho?
Apenas reparando nela pode observar no espelho o homem que está atrás.
Exclusivamente ao espelho pode reparar que é observada pelo homem atrás dela.
E o espelho, reparará que ela e o homem atrás se observam?
Repara no espelho e observa nele o homem que está atrás dela.
Um espelho. Observa-se. Atrás o homem. Repara.
Ela se observa. Atrás, o espelho e o homem que repara.
Subitamente o homem que está atrás repara que é observado por ela no espelho.
(A respiração do tempo, Minimalista, 2022)
