[Só]

[só]

Poeta só. 
Porque só é a solidão de um poema.
Nevoeiro é o que vejo dentro do peito.
Rarefeito o racional, banal o carnal.
Bacanal de emoções vãs.
Só está a solitude de uma prosa.
Nua de versos ou ritmos.
Crua e incerta
inserta a solidão no poeta.
Fico só com estas letras.
Chove do lado de fora da janela,
dentro do peito só nevoeiro,
orvalho e melancolia.
Só.

Fotografar palavras
Projeto | Paulo Kellerman
Texto | Andreia Marques
Foto | Ana Gilbert

Adeus

“Repara na lentidão do adeus”

“Repara na suspensão do adeus”

Palavras | Filipa Leal (Vem à quinta-feira)

Water

“The river is within us, the sea is all about us.”

T. S. Eliot (The dry salvages, Four quartets)

E só…

“E só me veja”

Palavras | Hilda Hilst (Cantares do sem nome e de partidas)

Fotografar palavras #2240

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“o amor sabe sempre a novo barrado de familiaridade
um estremecimento
como o verão que há dentro do outono ou aquela brisa que há dentro do verão
braços de quente e luz a inundar o peito
como se fora o brotar de flores num campo seco
os lábios a chegarem-se aos teus
uma inquietação
a pele a vestir-se de água
um sorriso      um grito      murmúrios
em chão de silêncio”

 

Fotografar palavras
Projeto | Paulo Kellerman
Texto | Isabel Pires
Fotos| Ana Gilbert

Tens?

“Tens a medida do imenso?
Contas o infinito?
(…)
Tens a medida do sonho?
Tens o número do Tempo?”

Palavras | Hilda Hilst (Cantares de perda e predileção)

 

eu e ela

“Eu no espelho:
atentas, nós duas,
rostos que excedem nossa imagem,
estendemos a mão, espalmamos os dedos nesse pó
de gelo. Sabemos: quando eu mergulhar daqui,
e do seu lado, ela,
hão de girar ao sopro da voragem
todos os meus sonhos, e os sonhos dela.
 
Labirinto de espelhos, reflexos de reflexos,
eu e ela continuamos sós.”

Palavras | Lya Luft (Mulher no palco)

“Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.
 
Nem acredite se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.”

Palavras | Lya Luft (Mulher no palco)

clareza

se eu tivesse que escolher uma cor para as tuas palavras seria o cinza.
não pelo negrume da tristeza. bonito esse teu negrume. seria pela calma. é isso. pela calma que me trazes às margens das manhãs ou das tardes.
conforme a inclinação do sol.

as tuas palavras só não têm a cor branca porque não as descobriria nesta folha.
mas são brancos, esses bordados de luz que te escorrem entre os dedos.

Palavras | Isabel Pires (a permanência da memória dos dias de sal)

“Ah, não retires de mim a tua mão.”

Palavras | Clarice Lispector (A paixão segundo G.H.)

Ando em busca dos fragmentos de mim como naqueles quebra-cabeças de infinitas peças.

Do desencanto

Das coisas fascinantes do Projeto Fotografar palavras do escritor Paulo Kellerman: receber um texto para fotografar e, quando da publicação, descobrir que ele já compõe uma narrativa com outra foto e que a minha foto se alinha e complementa essa narrativa com surpreendente harmonia de elementos.

[dum lugar íntimo do desencanto]
todos os nossos passos decolam em direção ao caos
eu até parece que danço — mas condenso, só
eu até parece que passo — mas espaço, só


Texto | calí boreaz
Foto de partida: Nita Ferreira
Foto de chegada: Ana Gilbert