
“The river is within us, the sea is all about us.”
T. S. Eliot (The dry salvages, Four quartets)

“The river is within us, the sea is all about us.”
T. S. Eliot (The dry salvages, Four quartets)

Pele.

“Terá de haver alguém (…) alguém que entenda o meu vazio porque tem em si um vazio idêntico.”
Palavras | Paulo Kellerman (A cadeira da Cinderela, Best of)
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Paulo Kellerman escreve sobre a alma humana, no que ela tem de belo e sombrio. Com sua escrita poética e incisiva, percorre paisagens de silêncio e dor, de dúvida e inquietude; delineia a sutileza do sonho e a melancolia do cotidiano sem sentido, numa multiplicidade de vozes que reverberam em nós como um labirinto de espelhos a devolver-nos inúmeras e perturbadoras imagens do eu.
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Em breve, o seu novo romance, Aviões de papel. Uma edição Minimalista.

“O que eu desejo ainda não tem nome.”
Palavras | Clarice Lispector


“Incomoda-te a minha sombra? Ou a minha luz?”
Fotografar palavras
Projeto | Paulo Kellerman
Texto | Ana Gilbert
Foto| João Oliveira

“Estou a pensar, e pensar é uma forma de movimento.”
Fotografar palavras
Projeto e texto | Paulo Kellerman
Foto| Ana Gilbert

“As coisas não acabam quando elas terminam.”
Fotografar palavras
Projeto | Paulo Kellerman
Texto e foto | Ana Gilbert

é difícil concordo conjugar este
verbo insensato e tardio que
de repente se atravessou no meu caminho
Palavras | Alice Vieira (Os armários da noite)

os dias as cores os medos a respiração
parados, à espera
à espera
dos dias das cores dos medos da respiração
livres
das angústias medidas
das dores mediadas

.

.

reverberação
Ao escutar o som amplificado do violino, a primeira reação é de contrariedade: a melancolia do instrumento é corrompida pelo amplificador barato. Irritada, volto ao café, quero aproveitar os últimos minutos antes de começar o dia de trabalho; porém, é mais forte do que eu e me pego a imaginar que o som já terá chegado à sala (reverbera dentro de mim) e que me distrairá das histórias, das pessoas (não quero que se aninhe em algum canto escondido). Um vidro e uma parede me separam (protegem?) da cena. Folheio o livro sem foco, percorro as telas do celular sem interesse, a passar por caricaturas que são vidas, a escoar a minha própria vida. Sinto incômodo. Olho de relance e só agora noto a presença da partitura, o pé a marcar o compasso do texto. A vida entra em modo pause. Espicho o pescoço. Pela primeira vez busco ver o músico e descubro que são dois rapazes a tocar; a mala aberta no piso coberta com o pano cor de vida para receber os trocados que nem sei se dão para alguma coisa.
Tento ler seus olhos: estão lacrados, ou talvez, apenas concentrados naquelas pequenas marcas negras sobre o fundo branco. Partitura. Partido. Partes. Imagino-lhes a vida: estudantes de música, quase com certeza. Devem ser de outra cidade e vieram cursar a faculdade; alugam um quarto numa casa antiga com outros estudantes iguais a eles. Ou quase. O arco desliza, em câmera lenta; vez por outra, sons de buzinas estilhaçam o ar, impacientes. Uma criança de uns três anos se aproxima com uma nota. Quer entregá-la na mão de um dos músicos (a relação se faz de mãos que pedem e nem sempre recebem? que doam e nem sempre são acolhidas?); ainda não percebe as diagonais, as perpendiculares, os trajetos dos desencontros. A mãe indica a mala e ela deposita feliz aquilo que ainda não entende. O livro esquecido, o celular na bolsa, presto atenção à música, um Vivaldi mal executado, um inverno neste verão escaldante e empoeirado, mas que de súbito toca alguma corda em mim e provoca uma ternura por esses seres anônimos, perdidos numa cidade abandonada, a tentar espalhar alguns sorrisos distorcidos pela tecnologia, a tentar ganhar algum dinheiro distorcido pela caridade. E eu olho, penso se tenho dinheiro trocado (deveria dar alguma coisa em retribuição ao que eles provocaram em mim?). Olho as árvores em volta, a rua movimentada, os motores rasgando o asfalto, o estado de sobrevivência, e penso se estou a viver, de verdade. A tecla pause é desligada e a vida continua seu movimento autônomo. A ternura escorre, a comunhão durou pouco; também eu sou feita de desencontros. Uma pergunta grita dentro de mim: o que não fizeste por nós?
Texto e fotos | Ana Gilbert

“O que me apetecia, de verdade, era simplesmente gritar; gritar visceralmente, deixar que a dor e a agonia e o desânimo e a desesperança me saíssem pela garganta, gritar até me sentir vazia e livre e indiferente.”
Fotografar palavras
Projeto e texto | Paulo Kellerman
Foto | Ana Gilbert


“Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.
Nem acredite se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.”
Palavras | Lya Luft (Mulher no palco)
Primeiro azul do ano…

“Para compor um tratado sobre passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.”
Palavras | Manoel de Barros (Tratado geral das grandezas do ínfimo)

“Here and there does not matter
We must be still and still moving
Into another intensity
For a further union, a deeper communion
Through the dark cold and the empty desolation,
The wave cry, the wind cry, the vast waters
Of the petrel and the porpoise. In my end is my beginning.”
Words | T.S.Eliot (Four Quartets, East Coker)

“preparei uma festa no coração
as veias penduradas como
gambiarras corpo fora
pedi que viesses esperei que viesses
mas a alegria que inventei era só um
modo de ir embora”
Palavras | Valter Hugo Mãe (Publicação da mortalidade)

“Devia haver sempre um cofre dentro de nós cheio de purpurinas.
Assim a nossa alma tinha sempre festa e os castelos não eram feitos de sonhos.”
Fotografar palavras
Projeto | Paulo Kellerman
Texto | Rute Violante
Foto| Ana Gilbert

Alma, essa manifestação intangível de que preciso para viver.