PORTABLE LINK é um projeto com o escritor Paulo Kellerman, que nasceu da afinidade entre os nossos trabalhos e se constituiu como um diálogo entre palavra e imagem. Criado há mais de um ano na plataforma Ello, o projeto agora passa a existir também no instagram.
O projeto FOTOGRAFAR PALAVRAS completou seis anos de vida, graças ao esforço bonito e generoso do Paulo Kellerman para juntar pessoas, talentos e afetos.
Como funciona o projeto? Os escritores enviam excertos dos seus textos e os fotógrafos desdobram as palavras para encontrar uma (ou mais de uma) imagem. Coagulam a imagem em fotografia. A cumplicidade palavra/imagem é publicada aqui:
Todos nós, fotógrafos e escritores, formamos uma rede com o compromisso de manter acesa a chama do projeto, para levar uma dose diária de arte a quem estiver disponível para ser tocado pelas imagens e pelas palavras.
São 3469 publicações até hoje. E a partir da publicação #3462, o blog se tornou bilíngue (português/inglês).
Ao escrever sobre o livro, “A respiração do tempo”, detenho-me no título. O tempo como organismo vivo. Que respira. Reparem que não há humanos sem tempo. O tempo é uma estrutura essencial. E este livro começa logo por evidenciar isso. O livro, muito cedo, entra pelo desejo, na sua relação com a imaginação, ou com a fantasia. Mostrando como o êxtase precisa dessa centelha para existir. E vai por ali fora, sempre poderoso. Mostra-nos não aquele humano perfeitinho, mas aquele que sofre e faz sofrer. Aquele que por vezes vive quase sem poder. O prazer e a dor estão muito presentes na narrativa. É um livro carregado de interioridade. Com a psique das personagens muito à mostra. Não estamos perante personagens planas, sentimos a sua riqueza e toda a força das suas circunstâncias. Vou dar um pequeno exemplo: “Uma mulher observa a cena e, como os cães, fareja a ameaça. Ela, uma dessas mulheres violadas por seu homem. Ela e o seu grito mudo. Ao sinal invisível, os homens começam a disparar. Descarregam armas, como uma ejaculação colectiva, fruto de um gozo inominável.” A água é também um elemento constante. Há uma qualquer relação entre o mar e a morte. Que vai sobrevindo. É um livro que tem arrojo, risco por parte da sua autora. Exposição. Verdade. Na linguagem tem a sua música. As suas escolhas. Uma pontuação própria. Um sentir da língua, em balanço, em movimento. Tenho uma teoria: um livro interessante tem de partir de alguém interessante. E este livro é mais uma demonstração desta minha teoria. Quanto deste livro é esta autora? O que pensa? Como pensa? O que observa? O que encontra? Que detalhes? Que linguagem? Que relações estabelece entre tudo? O livro beneficia de toda essa riqueza. Por todas estas razões, e aquelas ainda por descobrir (porque cada leitor fará o seu livro), é uma boa ideia ler este “A respiração do tempo”.
Os fios do tempo, como artérias do corpo, como galhos rizomáticos, espalham-se, pulsantes, em forma de palavras. Peso e leveza, prazer e dor, angústia e sentido. Perda, encontro, memória. Lugares luminosos e sombrios da alma. Os contos de A Respiração do Tempo atravessam esses temas, numa costura quase imperceptível, mas inquietante. Evocam um repertório de imagens, um catálogo de sensações, pensamentos e emoções que permeiam as relações humanas.
“Não há abraço que me doa mais do que o silencioso que me amordaça as palavras. Um vilão obscuro das minhas noites. Conheci-o em tempos. Apaixonou-se por mim. Mas eu não correspondo. Visita-me de noite. Peço que não o faça. Ele resiste. Tem um pacto com a noite. A noite tem um preço. O preço de a dormir sem a sentir. Não o consigo pagar. A dívida acumula-se. A minha incapacidade de saldar a dívida tem sido a maior declaração de amor daquele abraço. O abraço silencioso que me amordaça as palavras.”
“A minha casa existe em partes de luz e sombra, de ausência e dor. Existe à beira do mundo, das coisas, assim, em pedaços. Como uma flecha que se divide ao ser lançada ao espaço, num gesto autônomo que acontece por si.
Escrevo em busca da casa inteira, das imagens que levantarão as paredes, que completarão a costura, que anteciparão a quebra.”