I am made of volcanic ash
where pipe dreams and grief marry and clash

words: Ana Sofia Elias

[there are people who reflect and unfold us, who share wings and shadows]

encontro

Acaso é este encontro
entre o tempo e o espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que eu faço?

Paulo Leminski (Toda poesia)

   

morar

“Morar não significa apenas estar cercado por qualquer coisa, nem ocupar determinada área no espaço terrestre. Significa criar um vínculo tão intenso com certas coisas e certas pessoas que a felicidade e a nossa respiração se tornam inseparáveis.”

Emanuele Coccia (Filosofia da casa)

Your absence has made you more real, more authentic. Can you understand?

A tua ausência tornou-te mais real, mais autêntica. Percebes isto?

Text(o): Paulo Kellerman

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Desejo

“É sempre por rizoma que o desejo se move e produz.”

Deleuze e Guattari

[intervenção em fotografia]

um lugar de passagem

a place of passage

uma câmera
um rolo de filme
dois fotógrafos

Frankie Boy fotografou Ana Gilbert
Ana Gilbert fotografou Frankie Boy

escreveram com luz
com palavras

fragmentos de tempo
atravessamentos de histórias
encontro

***

a camera
a roll of film
two photographers

Frankie Boy photographed Ana Gilbert
Ana Gilbert photographed Frankie Boy

they wrote with light
with words

fragments of time
interweaving of stories
encounter

Que o ciúme não te adelgace

Crescer nos acentos perpétuas cobras d’água e logo a seguir
para que o ciúme não te adelgace
Pela cauda desengomo-te virgulados alguns actos
entre uma mornura de focinhos islandeses
{rafeiras arfadas}
e o inteira me prumares recatada.

Tibar-nos, como se tiba a latina linguagem, julgo branco e impossível.

Texto da Ana Sofia Elias e foto minha

[do nosso baú imaginado de imagens e palavras ardentes]

Passado a limpo # 01 | por Paulo Kellerman

Era uma vez um professor de filosofia que repete as mesmas ideias turma após turma, como se fosse uma gravação e não estivesse realmente ali, de corpo e alma. A gravação refere-se ao mito de Sísifo. Explica a voz, distanciando-se do corpo, como um certo rei fora punido com o castigo eterno de erguer uma pedra gigante até ao cimo de uma montanha, apenas para depois a ver deslizar montanha abaixo, até ao ponto de partida. Explica a voz, mecânica e sem vida, como o rei repetia aquela tarefa vez após vez, apesar de saber que o desfecho seria sempre o mesmo, e o propósito inútil. Explica a voz, cansada e apática, como aquela conformação do rei em repetir uma tarefa sabendo qual a sua conclusão e irrelevância poderia ser uma metáfora poderosa do destino dos humanos, condenados a repetirem tarefas que não compreendem e não controlam. Explica a voz, desinteressada do que diz, algumas das implicações filosóficas possíveis de especular a partir da postura do rei castigado, e como poderiam ter ressonância em todas as pessoas que as especulassem, incluindo os jovens que se encontram à sua frente.

– E a pedra?

A gravação emperra. A interrupção é inesperada, e a voz vê-se forçada a suspender o discurso automático. Há silêncio na sala de aula.

– Todo o foco está no rei. Mas e a pedra?

A turma agita-se, o professor pede explicações.

-Talvez o protagonista do mito não seja o rei e a sua teimosia absurda. Talvez o que importa realmente seja a pedra, e o seu comportamento. Porque insiste em regressar sempre ao ponto de partida? Não pode ser apenas por força da gravidade ou assim. Isso seria uma explicação científica, e os mitos não são lugares de ciência. Para mim, acho que é por resistência. O rei é teimoso, a pedra é resistente. Ou seja, a pedra tem mais personalidade do que o rei.

É a sétima aula do dia. E a primeira vez que o professor sorri.

Paulo Kellerman

linhas sem fuga

o que fazer com as linhas de fuga deleuzianas quando não há fuga possível?

[isto também é sobre Gaza]