O meu nome

“O meu nome é essa cicatriz
que insistes que sabes ler
só porque a fizeste.”

[My name is that scar
you insist you know how to read
just because you made it.
]

Gisela Casimiro (Giz)

As imagens

“As imagems poéticas têm, também elas, uma matéria.”

Gaston Bachelard (A água e os sonhos)

Aquilo de que ele mais gosta nela, para ser honesto, é do peito, em especial dos mamilos rígidos e castanhos, que saboreia devagar nas tardes cinzentas de Outono. Mas quando ela pergunta, sempre depois de ele dizer que a ama, de que mais gosta nela, ele responde invariavelmente: da tua personalidade. E ela sorri, agradecida.

*****

What he likes most about her, to be honest, is her breasts—especially her firm, brownish nipples, which he savours slowly on gray autumn afternoons. But when she asks, always after he tells her he loves her, what he likes most about her, he invariably replies: your personality. And she smiles, grateful.

Paulo Kellerman | Portable link

FOTOGRAFAR PALAVRAS # 5085

Maria dos Anjos

Não me lembro de ti
Nem do teu rosto
Nem da tua voz ou de te ouvir rezar
Não me lembro das tuas mãos no meu cabelo
Nem do teu colo
Nem do som dos teus passos
Nem do teu cheiro
Não me lembro da cor dos teus olhos a olhar para os meus
Cheios de orações e de infinito
Cheios de cansaço
Não me lembro do teu terço pendurado no teu pescoço antes de ser meu
Não me lembro do teu nome nem do meu nome na tua boca
Nem de me chamares
Nem de me abençoares com palavras antigas ditas em latim
Benedicat tibi Dominus
Não me lembro de seres o meu anjo
Nem do arrastar das tuas asas
Nem de me velares o sono e me guardares dentro da tua alma
Sossegada
Não me lembro se fui um poema casto
Inacabado, intraduzível, dissonante
Ditado por Deus em aramaico e que recitaste por acaso na penumbra da tua cela
Como uma profecia que não se cumpriu
Não me lembro de ser contigo o que não nunca cheguei a ser
O que nunca consegui ser
Só me lembro da tua sombra
A caminhar
Do barulho das tuas vestes num corredor imenso a ecoar como um cântico.

Maria dos Anjos

I don’t remember you
Or your face
Or your voice or hearing you pray
I don’t remember your hands in my hair
Or your lap
Nor the sound of your footsteps
Or the smell of you
I don’t remember the color of your eyes looking into mine
Full of prayers and infinity
Full of weariness
I don’t remember your rosary hanging around your neck before it was mine
I don’t remember your name or my name on your lips
Nor your calling me
Nor blessing me with ancient words spoken in Latin
Benedicat tibi Dominus
I don’t remember you being my angel
Nor the flutter of your wings
Or watching over my sleep and keeping me in your soul
Quiet
I don’t remember if I was a chaste poem
Unfinished, untranslatable, dissonant
Dictated by God in Aramaic and which you recited by chance in the penumbra of your cell
Like a prophecy that didn’t come true
I don’t remember being with you what I never got to be
What I never managed to be
I only remember your shadow
Walking
The rustle of your clothes in an immense corridor echoing like a song.

Poem[a]: Ana Paula Jardim

Fotografar palavras, projeto de talentos e afetos. Criado pelo Paulo Kellerman em 2016. Publicações diárias.

Bagagem

Bagagge

Gosto de imaginar que o tempo é um autocarro em andamento. O tempo avança, tal como um autocarro avança; e nós lá dentro. Um autocarro que tem janelas que nos permitem olhar para além do tempo; e fixar. (O tempo transporta-nos: somos passageiros do tempo.) O olhar é o mecanismo de que dispomos para trazer para o interior do autocarro – do tempo – aquilo que consideramos importante.

Aquilo que vemos fica guardado no nosso interior, integrando-se em nós; e nós fazemos parte do tempo: porque estamos no interior do autocarro. (Transportamos o tempo: o tempo é nosso passageiro.) O tempo leva-nos consigo, a nós e a todos os pedaços de vida que recolhemos quando olhamos; à vida que vamos acumulando, compondo a nossa bagagem. Espantos. Ternuras. Prazeres. Enigmas. Partidas. Esperas. 

*****

I like to imagine that time is a moving bus. Time moves forward, just as a bus moves forward—with us inside. A bus with windows that let us look beyond time and hold on to what we see. (Time carries us: we are passengers of time.) Our gaze is the mechanism we have to bring into the bus—into time—what we deem important.

What we see is stored within us, becoming part of who we are; and we are part of time, for we are inside the bus. (We carry time: time is our passenger.) Time takes us along, together with all the fragments of life we gather as we look; with the life we accumulate, composing our baggage. Wonders. Tenderness. Pleasures. Enigmas. Departures. Waiting.

Texto | Text: Paulo Kellerman

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¿cómo?

“Sólo hay un medio para matar los monstruos: aceptarlos.”

Julio Cortázar (Los reyes)

Serenidade

“Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação.”

Clarice Lispector (Perto do coração selvagem)

A(ero)NA(ve)S

Duas Anas numa aeronave improvisada a (des)pilotar a caminho de. Pausa e ponto de interrogação. Tocamo-nos no escuro e iluminamos arquipélagos. Fluida-Mente.

Esta é uma colaboração especial que nasceu de um exercício de escrita orgânico e fascinante entre mim e a Ana e de um lugar de curiosidade mútua.

A(ero)NA(ve)S

{~Texto zipado para desdobrar em imagens~}

e o que queres fazer?

Eros, erótico, está sempre presente na criação

O dedo (in)vísivel

que percorre a pele da palavra

e os poros da fotografia.

Captar o hálito da imagem

e fugir do hábito da palavra

para habitar a palavra

que faz montanhas parirem retratos

|| parir em retratos

o desejo que se vê

dentro da cabana do acento circunflexo

havia fios de trama || ou ele passa por baixo || ou ele passa por cima ||

dos fios de urdume ||

é o jacquard de entre_peles

que nos veste a timidez

e desloca inflexões

  – Passa-me um Marlboro. Ali atrás da persiana

(ecoo-me para tocar-te)

O arranha-céus de jacquard rasga o tecto da cabana

Delírio a céu aberto.

*****

[O texto foi escrito a quatro mãos com a Ana Sofia Elias | a foto é minha]