Ando em busca dos fragmentos de mim como naqueles quebra-cabeças de infinitas peças.

Do desencanto

Das coisas fascinantes do Projeto Fotografar palavras do escritor Paulo Kellerman: receber um texto para fotografar e, quando da publicação, descobrir que ele já compõe uma narrativa com outra foto e que a minha foto se alinha e complementa essa narrativa com surpreendente harmonia de elementos.

[dum lugar íntimo do desencanto]
todos os nossos passos decolam em direção ao caos
eu até parece que danço — mas condenso, só
eu até parece que passo — mas espaço, só


Texto | calí boreaz
Foto de partida: Nita Ferreira
Foto de chegada: Ana Gilbert

“Há uma vertigem temporal entre mim e os objetos e sinto-me a desequilibrar entre o antes e o agora.”

Palavras | Joana M. Lopes

Ser

“Sou mais aquilo que em mim não é.”

Palavras | Clarice Lispector (A paixão segundo G. H.)

Ponto

Texto | Ana Gilbert

Sou um ponto. Giro, giro, até perder-me. Retorno. Descubro, encontro. Perco. Perco sempre. E volto a encontrar (-me). Aqui.

(Foto e texto a partir da proposta de Inesa Markava, por ocasião da performance coreográfica na exposição “O mundo é redondo”, de Rachel Caiano.)

Texto | Ana Gilbert

Onde fica este lugar em mim quando me perco dele, simplesmente se desvanece ou continua a existir em segredo nesse nada, nesse mundo?

Best of

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Best of é o novo livro de Paulo Kellerman em parceria com a ilustradora Lisa Teles (Edição Escaravelho). São seis contos, seis gravuras, seis objetos. Palavras, texturas, traços, formas, cores. Materialidade que aguça os sentidos e a imaginação e provoca outras imagens, inúmeras, que se desdobram e convidam o leitor a continuar nelas (sim, porque os textos carreiam imagens), a explorá-las e a ir além.

O fio que une os textos e as imagens refere-se à busca de si, à consciência de si, ao susto da descoberta e à solidão intrínseca a esse processo. Os diálogos que acontecem entre o eu e o outro, um outro ao mesmo tempo externo e interno, revelam mundos separados, desencontros dolorosos, encontros às avessas, ânsia por intimidade e o medo dela. A angústia de ser quem se é convive com a busca pela liberdade de ser, de viver. As imagens e os textos nos fazem pensar em como nos percebemos ao sermos vistos por alguém, como nos mostramos, ou não, ao outro, como nos escondemos de nós; expectativas e decepções; anseios, vazios e obsessões; prazer. Tudo reunido e pensado num corpo, por vezes quase ausente (como se fosse possível), por vezes insuportavelmente presente.

Vazios (cheios de tanto!) que se disfarçam sob a forma de pensamentos, emoções, desejos, sonhos, fantasias; voláteis e impalpáveis como o ar, materiais e concretos como o ar. Silêncios que pesam e gritam para nós, sobre nós, que nos espantam com as suas vozes assustadoramente familiares. Olhares que preenchem, que atravessam, que pedem, que tocam. Que veem.

Sabemos que texto e imagem compõem ‘substâncias’ diferentes, e não são mera reprodução um do outro. As belas ilustrações criam narrativas autônomas que, se por um lado oferecem novos sentidos aos textos, por outro, comportam, elas próprias, outros fios narrativos possíveis. Somos delicadamente capturados e surpreendemo-nos a perguntar, a imaginar, a olhar por cada uma dessas janelas.

Textos e imagens instigam, questionam, desassossegam. Enchem os olhos de poesia. E de algo mais.

***

Texto | Ana Gilbert

Junto palavras como cacos, pedaços de mim que se perderam no tempo, que esvoaçam levados pela brisa, que se perpetuam nos ecos do mundo.

Desejo de presença

Na série Desejo de Presença, Ana Gilbert trabalha o autorretrato como suporte de expressão artística e tem como objetivo experimentar o corpo como ficção na sua relação com o mundo. A fluidez dos contornos, a reverberação desses contornos no espaço e a ênfase do corpo como ‘presença’ que interpela e afeta são características marcantes deste trabalho da artista.

Os autorretratos são parte da exposição Almas Desligadas e Outras Histórias, que inaugura dia 12 de abril na Galeria Indoor a partir das 19h. Todas as obras estarão à venda e a galeria ficará de portas abertas também no dia 13 de abril, das 14:30 às 20h.

Produção | Rococó Clean

Sutilezas

Auto-retrato 25

Recolho sutilezas que ninguém vê.
Com elas, construo meu mundo invisível, profundo e triste.
Com elas, existo em esperança de desapegos,
em poesia pura,
em cicatrizes desenhadas.