Justo agora

Eu ouvi você
Me dizer que sim
Mas era silêncio o que se ouvia
Quando dei por mim

Agora
Logo agora
Justo agora

Adriana Calcanhotto (Justo agora)

Você tem medo

Você não tem medo de mim
Você tem medo é do amor
Que você guarda para mim
Você não tem medo de mim
Você não tem medo de mim
Você tem medo é de você
Você tem medo é de querer
Me amar

Adriana Calcanhotto

[ouça aqui]

Ter nascido

“Ter nascido significa isto: não ser puro, não ser si mesmo, ter em si alguma coisa que vem de outro lugar, alguma coisa de estranho que nos leva a nos tornarmos a cada vez estrangeiros a nós mesmos.”

Emanuele Coccia (Metamorfoses, 2022)

XXXVI


It is this body that holds all that I am.

An envelope that contains me,
Defines me,
Limits me.

And everything I am is born in it.
But is everything that is born in my body mine?

Universes of desires that arise and grow
And multiply,
Fleeting or perhaps eternal,
Powerful and immense in their power
Of disconcerting.

Do they belong to me?

Desires that are dreams
Without flesh
Or material density
Or geometric contour
Or palpability.

Perhaps dreams are a concrete reality,
As concrete as the most consistent
Of realities.
Concrete like a tree or a bridge or a clothesline or a fire
Or a body.m
But a reality lacking the senses.

Concrete,
But without dimension or volume.
Without physical outline or measurability,
Just intention and design.
Like when you say you want to give me a hug
Or a kiss,
But you do not really give me a hug
Or a kiss.

My body produces universes of desires,
Immense in their power
Of disconcerting.

But useless.

What good are dreams
If you cannot touch them?

in And when the questions are over? REIMAGINED

Paulo Kellerman (text) & Ana Gilbert (photo)

Manual de independência

Nem Bestas Nem Santas, performance da companhia teatral Nem Marias Nem Manéis

O Manual compôs uma das onze instalações que fizeram parte da performance, que aconteceu no passado 19 de setembro, no m|i|mo. Além da leitura, o público foi convidado a participar, acrescentando suas próprias ideias sobre independência. Esta é uma de suas páginas.

Nem bestas nem santas

Esta é a minha contribuição para a performance NEM BESTAS NEM SANTAS, com o tema da opressão do feminino e o patrimônio intemporal de feminilidade.

É a quarta produção NEM MARIAS NEM MANÉIS, uma companhia jovem que tem produzido trabalhos contundentes e poéticos que nos fazem sentir e questionar. E, principalmente, que nos irmanam numa experiência de coletividade.
Parabéns e muito obrigada.

A performance aconteceu ontem, 19 de setembro, no m|i|mo, em diálogo com a bela exposição do nosso projeto FOTOGRAFAR PALAVRAS, em Leiria, Portugal, essa cidade que também é casa.
…..

“Olha as estrelas e pensa: são minhas testemunhas.
Pensa: estão a ver tudo o que sinto e faço.
Tal como viram tudo o que biliões de outras mulheres
sentiram e fizeram.
Desde a primeira mulher que viveu.
As estrelas são as mesmas. Aquelas que tu própria podes olhar enquanto pensas: são minhas testemunhas.”

…..

Texto: Paulo Kellerman
Encenação e Dramaturgia: Cátia Ribeiro
Interpretação: Andreia Mateus, Catarina Mamede, Cátia Ribeiro e Rita Rosa
Movimento coreográfico: Cátia Ribeiro e Rita Rosa
Ilustração ao vivo: Maraia
Música: Nelson Brites
Vídeo: Milady
Artes manuais: Cátia Ribeiro e Sandra Ribeiro

Círculo: Daniela Mateus, Dora Fonseca, Fátima Gonçalves e Mariana Lourenço

Fotografia: Ana Gilbert, Andreia Mateus, Anna Monica Rigon, Anna Papachristou, Carina Martinho Coelho, Carolina Geiger, Cristina Vicente, Elsa Arrais, Fabiana Fraga, Federica (Final Girl 7), Jelena Stankovic, Joana Neves, Julie Flam, Martha Takahashi, Nadir Social Lens, Sêmmada Arrais, Sílvia Bernardino, Teresa Santos e Vanda Cristina

Fotografia de Cena e produção: Cristina Vicente

Carta

“O trem veloz chegou carregado das mais belas rosas do mundo. Mas você não veio.
Se isso acontecer outra vez estendo-me sobre os trilhos.”

excerto de carta de Nise da Silveira a Marco Lucchesi (in Viagem a Florença, de Marco Lucchesi, 2025)

FOTOGRAFAR PALAVRAS # 5274

O blog FOTOGRAFAR PALAVRAS comemora 9 anos neste mês de agosto.
Criado pelo querido amigo Paulo Kellerman e cuidado por tod@s nós, o projeto é uma casa artística que nos abriga e alimenta em tempos sombrios.
Espaço de resistência poética, o blog une fotógrafos e escritores no amor partilhado por palavras e imagens. É uma galeria de arte que nos oferece a oportunidade de contemplação silenciosa; um outro tempo, fora da volatilidade das redes.
Visitem; há muito o que ler e ver por lá.

A parceria de hoje na publicação # 5274 é com o Paulo:

Disse: o mundo está a desmoronar e ninguém o pode impedir. Disse: essa sensação de impotência é tão dolorosa. Disse: gostaria muito que alguém pudesse reverter as desgraças que vemos dia após dia. Disse: mas já não acredito mais que isso seja possível. Disse: o mundo está a morrer e ninguém pode fazer nada.
Respondi: então agora sabes como deus se sente desde que o mundo existe. Agora sabes como é ser deus. Gostas?

***

He said: the world is collapsing and no one can stop it. He said: this feeling of powerlessness is so painful. He said: I wish so much that someone could reverse this disgrace that we see day after day. He said: but I no longer believe it’s possible. He said: the world is dying and nobody can do anything about it.
I replied: so now you know how god has felt since the world existed. Now you know what it’s like to be god. Do you like it?

Texto | Text: Paulo Kellerman

time is out of joint

Time is out of joint, diz Hamlet, na tragédia de William Shakespeare, ao saber do assassinato do rei, seu pai, pelo tio.

Time is out of joint, diz Paul B. Preciado, sobre o colapso do capitalismo petrossexorracial.

Time is out of joint, é o que diz cada célula do meu corpo quando olha o reflexo do mundo na superfície do sangue derramado.

[isto também é sobre Gaza]