
Até o silêncio teimava em fugir.
Even silence stubbornly tried to flee.
Texto | Text: Mónia Camacho
Fotografar palavras, a nossa casa poética. Desde 2016. Criação e curadoria: Paulo Kellerman

Até o silêncio teimava em fugir.
Even silence stubbornly tried to flee.
Texto | Text: Mónia Camacho
Fotografar palavras, a nossa casa poética. Desde 2016. Criação e curadoria: Paulo Kellerman

Há dias em que a linguagem é inútil.
[foto minha para o texto da Mónia Camacho]
É sempre uma alegria receber um texto, saboreá-lo até desdobrá-lo em imagens e escolher uma (ou mais) que irá se coagular em fotografia.
É sempre uma alegria quando, ao ver a publicação no Fotografar Palavras, descubro que a autora é a querida Mónia Camacho.
Obrigada, Paulo Kellerman, por este lugar de encontros e afetos bonitos.
Projeto Fotografar Palavras, diariamente, desde 2016.

Ao escrever sobre o livro, “A respiração do tempo”, detenho-me no título. O tempo como organismo vivo. Que respira.
Reparem que não há humanos sem tempo. O tempo é uma estrutura essencial. E este livro começa logo por evidenciar isso.
O livro, muito cedo, entra pelo desejo, na sua relação com a imaginação, ou com a fantasia. Mostrando como o êxtase precisa dessa centelha para existir.
E vai por ali fora, sempre poderoso. Mostra-nos não aquele humano perfeitinho, mas aquele que sofre e faz sofrer. Aquele que por vezes vive quase sem poder.
O prazer e a dor estão muito presentes na narrativa.
É um livro carregado de interioridade. Com a psique das personagens muito à mostra.
Não estamos perante personagens planas, sentimos a sua riqueza e toda a força das suas circunstâncias. Vou dar um pequeno exemplo:
“Uma mulher observa a cena e, como os cães, fareja a ameaça. Ela, uma dessas mulheres violadas por seu homem. Ela e o seu grito mudo.
Ao sinal invisível, os homens começam a disparar. Descarregam armas, como uma ejaculação colectiva, fruto de um gozo inominável.”
A água é também um elemento constante. Há uma qualquer relação entre o mar e a morte. Que vai sobrevindo.
É um livro que tem arrojo, risco por parte da sua autora. Exposição. Verdade.
Na linguagem tem a sua música. As suas escolhas. Uma pontuação própria. Um sentir da língua, em balanço, em movimento.
Tenho uma teoria: um livro interessante tem de partir de alguém interessante. E este livro é mais uma demonstração desta minha teoria. Quanto deste livro é esta autora? O que pensa? Como pensa? O que observa? O que encontra? Que detalhes? Que linguagem? Que relações estabelece entre tudo?
O livro beneficia de toda essa riqueza.
Por todas estas razões, e aquelas ainda por descobrir (porque cada leitor fará o seu livro), é uma boa ideia ler este “A respiração do tempo”.

“Importa que em tudo o que eu venha a ser, seja sempre eu.”
Mónia Camacho (Partes íntimas)

“A casa voltou a reinar, segura da sua força.
Bem no meio tem um coração. Uma iluminação que não se sabe de onde vem. E sou capaz de passar horas a banhar-me nesse conforto.
Por vezes, a casa murmura o teu nome.”
A casa na praia, de Mónia Camacho, na Antologia Minimalista (2020)
A minha leitura de um excerto do conto “As pegadas de Jamila”, de Mónia Camacho.
Uma parceria Mapas do Confinamento e Dias Úteis-Podcast
Para ouvir aqui:

DOEM-ME AS ASAS
Uma das qualidades que me encanta na escrita da Mónia Camacho é a sua capacidade de criar ‘espaços’ entre as palavras que se percebem de forma sutil, indiciária. Esses espaços se abrem ao leitor e permitem que ele se espalhe; que os explore e percorra, criando suas próprias paisagens, vislumbrando outros mundos possíveis. E no romance Doem-me as Asas não é diferente: esta qualidade está presente de forma marcante, em especial nas frases curtas que a Mónia tão bem cria e faz uso. Frases que dizem muito mais do que se pode ler nas palavras impressas.
Ao avançar na leitura do romance, vou aos poucos registrando diferentes camadas que guiam o meu olhar. Camadas que se entrelaçam, sobrepõem ou seguem paralelas. Uma primeira camada é a do enredo propriamente dito, e que me leva a mergulhar na história que carrega um tom de ficção científica, ou de fantástico. Mas, principalmente, uma história que fala do sentir humano e que vai além dos rótulos.
Em simultâneo, percebo uma segunda camada que traz uma angústia subliminar porque toca de forma incisiva no que me parece ser um ‘futuro atual’. Apesar do texto ter sido escrito muito antes da pandemia do novo coronavírus e se referir a um futuro impreciso, ele traduz percepções que me ocorrem diante do nosso cenário hoje: término de um mundo conhecido, esgotamento de um excesso de racionalidade que se conecta à perda de certos valores humanos, relação íntima entre capitalismo, desastre ambiental e produção de ideias e imagens demasiado contundentes, tais como refugiado, imunidade, cisão do mundo.
Diante dessas reflexões sobre a nossa existência, deparo-me com a terceira camada: a de uma viagem interna em que a personagem feminina, Glória, vai em busca de conexão, de (re)encontro consigo mesma, guiada por uma imagem produzida por uma instância autônoma, fora da sua consciência. E é essa busca por compreender a imagem que a torna uma presença fundamental na (re)construção de uma outra forma de mundo, ou de consciência.
Há, ainda, uma quarta camada, a camada das referências (afetivas, talvez) não apenas literárias, mas artísticas de modo geral. Como pequenas marcações que me guiam no percurso da leitura e que trazem questionamentos sobre a arte e a escrita, sobre o papel e a importância da imaginação e da criatividade como sustentáculos da vida psíquica.
Os textos da Mónia traduzem a sua curiosidade pelo humano. O romance avança pela trajetória da nossa condição de seres individuais e coletivos e da responsabilidade pela forma como nos relacionamos com a alteridade; desdobra os desejos de luz e sombra, de vida e morte que nos habitam. Lembra-nos de que somos feitos de matéria opaca e transcendência. De efemeridade e eternidade.
Uma publicação Minimalista
[intervenção em fotografia]

“A montanha é um local rigoroso. E toda a sua beleza está assente nessa premissa.”
Excerto de DOEM-ME AS ASAS, de Mónia Camacho
Uma publicação Minimalista

“As noites eram, ao mesmo tempo, terríveis e magníficas.
O céu brilhava em estrelas infinitas. E a beleza raramente é em vão.
A sensibilidade é um dos maiores indicadores de evolução; e captar a beleza é o primeiro passo para o desenvolvimento humano.”
Excerto de DOEM-ME AS ASAS, o novo romance de Mónia Camacho.
Uma publicação Minimalista
CONVERSAS MINIMALISTAS
3 de julho de 2021, às 15 horas (19 horas em Portugal)
Neste primeiro evento Minimalista, vamos conversar sobre o romance da Mónia Camacho, DOEM-ME AS ASAS.
Percepções, pensamentos, emoções, questionamentos… Vamos partilhar com a autora o que o livro nos provoca. O evento será pelo zoom.
Quer participar? É só se inscrever gratuitamente pelo e-mail: minimalista.editora@gmail.com
O livro já está disponível para venda no Brasil!


“Talvez em sonhos o corpo nunca seja aquele com que se vive de dia.”
DOEM-ME AS ASAS, romance de Mónia Camacho
Uma publicação Minimalista

“Todas as travessias são conexão.”
DOEM-ME AS ASAS, romance de Mónia Camacho
Uma publicação Minimalista.

“Quem somos quando não somos nós?”
Palavras | Mónia Camacho (Um tigre à porta da Sé)
Esta pergunta ecoa por todo o livro da Mónia Camacho. E lateja dentro de mim. Convida-nos a percorrer o caminho em busca do que somos, de como nos definimos perante nós mesmos e os outros, e a pensar sobre o ato da escrita. Leva-nos a refletir sobre as fronteiras que criamos numa tentativa de nos dar contornos e de nos proteger do outro, mas que podem sufocar com acúmulos que não dizem de nós. Somos o que imaginamos ser? Podemos imaginar o que somos? Reescrever o que somos?
