E se fossem os sentimentos a escolherem as pessoas, tal como as pessoas escolhem as casas onde querem viver? E se as pessoas fossem, afinal, simples casas onde os sentimentos podem habitar?
What if feelings chose people, just as people choose the houses they want to live in? What if people were, after all, simply houses where feelings could dwell?
Caminha na minha direcção, mas não me vê; agita a mão, mexe os dedos como se tentasse agarrar o ar. Apesar do seu comportamento peculiar, a expressão é pacífica, a postura é tranquila.
Pergunto: Tentas pegar o ar com a mão?
Sorri. Responde: Não, tento agarrar o amor.
Passa por mim e afasta-se, conduzido pelo seu sorriso; e assim desapareço da sua vida. Nem memória serei.
Vejo como se afasta, vejo como desaparece; e enquanto vejo, pergunto: será que já não existe amor em mim?
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She walks in my direction, but does not see me; she agitates her hand, moves her fingers as if trying to grab the air. In spite of her peculiar behaviour, her expression is pacific, her posture is calm.
I ask: Are you trying to catch the air with your hand?
She smiles. And answers me back: No, I am trying to grab love.
She passes by and walks away, lead by her smile; and then I disappear from her life. I will not be even a memory.
I see how she walks away, I see how she disappears; and as I watch her, I ask myself: Is there no longer love in me?
É sempre uma alegria estrear nova colaboração no projeto Fotografar Palavras Na publicação # 5369, a parceria no texto é com a Rita Bertrand.
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Eis-me, aquela que amavas, diariamente enlutada, a girar incessante no redemoinho da saudade. A pior morte é esta, a que ainda respira mas já só caminha para trás.
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Here I am, the one you loved, daily in mourning, spinning incessantly in the whirlpool of longing. This is the worst death, the one that still breathes but only walks backwards.
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Texto | Text: Rita Bertrand Fotografia | Photography: Ana Gilbert
Fotografar palavras, projeto com publicações diárias, desde 2016. Criação do Paulo Kellerman, cocriado diariamente por tod@s nós.
LEMBRETE: a 6a. exposição do Fotografar Palavras fica em cartaz no m|i|mo, em Leiria (Portugal) até o dia 9 de novembro de 2025.
Para quem não puder ir, há a exposição permanente no nosso blog. Visitem aqui.
O tempo é apenas uma sequência de acasos. A eternidade é apenas uma sequência de acasos. A existência é apenas uma sequência de acasos. Tu és apenas uma sequência de acasos.
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Time is just a sequence of coincidences. Eternity is just a sequence of coincidences. Existence is just a sequence of coincidences. You are just a sequence of coincidences.
UCA, o livro de Ana Sofia Elias, é viagem demorada, sem volta. Lisérgica. Uca é desajuste. É dor partilhada, sonho segredado, fantasia projetada. Uca é pausa, lugar de descanso inquieto, de entrega temerosa. E prazerosa. Uca é desafio da fala, é dança cantada. Dança das palavras, por vezes, descompassada. É grito mudo. Ensurdecedor. É beleza delicada e pulsante. É toque sutil. Por vezes, soco no estômago. Desdobra-nos pelo caminho e já não conseguimos refazer o origami que um dia fomos.
Uca é Ana. E esta Ana que escreve espelha a Ana que escreveu.
Anas em voo livre.
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Escantilhão
Quando eu nasci Deus entregou-me um escantilhão e, desde esse dia, tenho sido uma recortadora de vida Sigo entretida a passá-la por um escantilhão e a ser escantilhada por ela
Esse tal Deus que não tem nome – mas desceu para me visitar – deu-me olhos de lince e fome de me deslumbrar
Os olhos de lince servem para caçar as coisas delicadas que gostam de brincar às escondidas com os meros mortais para quem elas passam despercebidas e desiguais
O Deus anónimo também me deu mãos de violino para fabricar delicadezas a partir da cidade que me rodeia e o que me rodeia é esta sala que faz parte desta casa que habita neste bairro que um dia, tal como eu, também nasceu desta cidade
Mas este poema não é sobre o meu nascimento É sobre a minha chegada Hoje eu sou aquela que chega a ela própria que aterra em si
Hoje eu sou aquela que carrega os intestinos nos olhos е a garganta nas mãos
Faço a digestão de todos as montras do mundo através dos olhos E respiro o mundo dos coisas e das cidades pelos pulmões das mãos.
O presente ensaio celebra os 150 anos de nascimento de Carl G. Jung e seu brilhante entendimento do ser humano como ser criativo.
O texto aborda o tema da ética de hospitalidade em análise. Para tanto, parte da arte, mais especificamente, da ópera contemporânea portuguesa O Tempo (Somos nós), cujo libreto é de autoria de Paulo Kellerman, para iluminar a prática clínica, tendo por base o texto O Banquete, de Platão, em articulação com a psicologia analítica.
Tanto na ópera quanto no processo analítico, Eros surge como fenômeno mais amplo, capaz de restaurar uma possibilidade criativa que reacende a alma, enquanto lugar da experiência do indivíduo, e de integrar aspectos dissociados da psique individual e coletiva.
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This paper examines the subject of hospitality in analysis. It starts from art, more specifically the contemporary Portuguese opera Time (As we are), whose libretto was written by Paulo Kellerman, to illuminate the clinical activity based on Plato’s Symposium, in articulation with the analytical psychology.
Both in the opera and in the analytical process, Eros emerges as a broader phenomenon, capable of restoring a creative possibility that rekindles the soul as a locus for the individual experience, and of integrating dissociated aspects of the individual and the collective psyche.
Humanity: the ability to put ourselves in someone else’s shoes. If we choose not to do so, we are not human. We are something else, but not human. Something else. Something.
Searching for meaning in life is like asking a mountain to explain what a kiss is.
An envelope that contains me, Defines me, Limits me.
And everything I am is born in it. But is everything that is born in my body mine?
Universes of desires that arise and grow And multiply, Fleeting or perhaps eternal, Powerful and immense in their power Of disconcerting.
Do they belong to me?
Desires that are dreams Without flesh Or material density Or geometric contour Or palpability.
Perhaps dreams are a concrete reality, As concrete as the most consistent Of realities. Concrete like a tree or a bridge or a clothesline or a fire Or a body.m But a reality lacking the senses.
Concrete, But without dimension or volume. Without physical outline or measurability, Just intention and design. Like when you say you want to give me a hug Or a kiss, But you do not really give me a hug Or a kiss.
My body produces universes of desires, Immense in their power Of disconcerting.