Pessoas como casas

People as houses

E se fossem os sentimentos a escolherem as pessoas, tal como as pessoas escolhem as casas onde querem viver?
E se as pessoas fossem, afinal, simples casas onde os sentimentos podem habitar?

What if feelings chose people, just as people choose the houses they want to live in?
What if people were, after all, simply houses where feelings could dwell?

Paulo Kellerman

Portable Link, projeto com Paulo Kellerman. Um diálogo entre literatura e fotografia, entre imagem e palavra.

Caminha

Caminha na minha direcção, mas não
me vê; agita a mão, mexe os dedos como
se tentasse agarrar o ar. Apesar do seu
comportamento peculiar, a expressão é
pacífica, a postura é tranquila.

Pergunto: Tentas pegar o ar com a mão?

Sorri. Responde: Não, tento agarrar o
amor.

Passa por mim e afasta-se, conduzido
pelo seu sorriso; e assim desapareço da
sua vida. Nem memória serei.

Vejo como se afasta, vejo como
desaparece; e enquanto vejo, pergunto:
será que já não existe amor em mim?

***

She walks in my direction, but does not see me; she agitates her hand, moves her fingers as if trying to grab the air. In spite of her peculiar behaviour, her expression is pacific, her posture is calm.

I ask: Are you trying to catch the air with your hand?

She smiles. And answers me back: No, I am trying to grab love.

She passes by and walks away, lead by her smile; and then I disappear from her life. I will not be even a memory.

I see how she walks away, I see how she disappears; and as I watch her, I ask myself: Is there no longer love in me?

photographs by Ana Gilbert
text by Paulo Kellerman

[in Geografias Corporais, Alter Edições, 2022]

Portable Link

Um lugar de passagem

UM LUGAR DE PASSAGEM, projeto com Frankie Boy (2024), agora em formato digital.

uma câmera
um rolo de filme
dois fotógrafos

Frankie Boy fotografou Ana Gilbert
Ana Gilbert fotografou Frankie Boy

[edição bilíngue]

A PLACE OF PASSAGE, a project with Frankie Boy (2024), now in digital format.

a camera
a roll of film
two photographers

Frankie Boy photographed Ana Gilbert
Ana Gilbert photographed Frankie Boy

[bilingual edition]

FOTOGRAFAR PALAVRAS # 5369

É sempre uma alegria estrear nova colaboração no projeto Fotografar Palavras
Na publicação # 5369, a parceria no texto é com a Rita Bertrand.

Eis-me, aquela que amavas, diariamente enlutada,
a girar incessante no redemoinho da saudade.
A pior morte é esta, a que ainda respira
mas já só caminha para trás.

Here I am, the one you loved, daily in mourning,
spinning incessantly in the whirlpool of longing.
This is the worst death, the one that still breathes
but only walks backwards.

Texto | Text: Rita Bertrand
Fotografia | Photography: Ana Gilbert

Fotografar palavras, projeto com publicações diárias, desde 2016. Criação do Paulo Kellerman, cocriado diariamente por tod@s nós.

LEMBRETE: a 6a. exposição do Fotografar Palavras fica em cartaz no m|i|mo, em Leiria (Portugal) até o dia 9 de novembro de 2025.

Para quem não puder ir, há a exposição permanente no nosso blog. Visitem aqui.

Apenas

O tempo é apenas uma sequência de acasos. A eternidade é apenas uma sequência de acasos. A existência é apenas uma sequência de acasos. Tu és apenas uma sequência de acasos.

***

Time is just a sequence of coincidences. Eternity is just a sequence of coincidences. Existence is just a sequence of coincidences. You are just a sequence of coincidences.

Text: Paulo Kellerman

Portable link

Uca

UCA, o livro de Ana Sofia Elias, é viagem demorada, sem volta.
Lisérgica.
Uca é desajuste.
É dor partilhada, sonho segredado, fantasia projetada.
Uca é pausa, lugar de descanso inquieto, de entrega temerosa. E prazerosa.
Uca é desafio da fala, é dança cantada.
Dança das palavras, por vezes, descompassada.
É grito mudo.
Ensurdecedor.
É beleza delicada e pulsante.
É toque sutil. Por vezes, soco no estômago.
Desdobra-nos pelo caminho e já não conseguimos refazer o origami que um dia fomos.

Uca é Ana.
E esta Ana que escreve espelha a Ana que escreveu.

Anas em voo livre.

***

Escantilhão

Quando eu nasci
Deus entregou-me um escantilhão e, desde esse dia, tenho sido uma recortadora de vida
Sigo entretida
a passá-la por um escantilhão
e a ser escantilhada por ela

Esse tal Deus que não tem nome – mas desceu para me visitar –
deu-me olhos de lince
e fome de me deslumbrar

    Os olhos de lince servem para
    caçar as coisas delicadas
    que gostam de brincar às escondidas
    com os meros mortais
    para quem elas passam despercebidas
    e desiguais

    O Deus anónimo
    também me deu mãos de violino
    para fabricar delicadezas a partir da cidade que me rodeia
    e o que me rodeia é esta sala que faz parte desta casa
    que habita neste bairro
    que um dia, tal como eu, também nasceu desta cidade

    Mas este poema não é sobre o meu nascimento
    É sobre a minha chegada
    Hoje eu sou aquela que chega a ela própria que aterra em si

    Hoje
    eu sou aquela que carrega os intestinos nos olhos
    е a garganta nas mãos

    Faço a digestão de todos as montras do mundo
    através dos olhos
    E respiro o mundo dos coisas e das cidades pelos pulmões das mãos.

    O delicado é
    o meu fado.

    Ana Sofia Elias (Uca, 2024)

    “ Estou farto de portas fechadas” | Ensaio

    O presente ensaio celebra os 150 anos de nascimento de Carl G. Jung e seu brilhante entendimento do ser humano como ser criativo.

    O texto aborda o tema da ética de hospitalidade em análise. Para tanto, parte da arte, mais especificamente, da ópera contemporânea portuguesa O Tempo (Somos nós), cujo libreto é de autoria de Paulo Kellerman, para iluminar a prática clínica, tendo por base o texto O Banquete, de Platão, em articulação com a psicologia analítica.

    Tanto na ópera quanto no processo analítico, Eros surge como fenômeno mais amplo, capaz de restaurar uma possibilidade criativa que reacende a alma, enquanto lugar da experiência do indivíduo, e de integrar aspectos dissociados da psique individual e coletiva.

    *** 

    This paper examines the subject of hospitality in analysis. It starts from art, more specifically the contemporary Portuguese opera Time (As we are), whose libretto was written by Paulo Kellerman, to illuminate the clinical activity based on Plato’s Symposium, in articulation with the analytical psychology.

    Both in the opera and in the analytical process, Eros emerges as a broader phenomenon, capable of restoring a creative possibility that rekindles the soul as a locus for the individual experience, and of integrating dissociated aspects of the individual and the collective psyche. 

    TEXTO COMPLETO PARA DOWNLOAD AQUI

    Portable Link

    Humanity: the ability to put ourselves in someone else’s shoes. If we choose not to do so, we are not human. We are something else, but not human. Something else. Something. 

    Searching for meaning in life is like asking a mountain to explain what a kiss is.

    Texts | Paulo Kellerman

    Photos | Ana Gilbert

    PORTABLE LINK , a dialogue between photography and literature

    XXXVI


    It is this body that holds all that I am.

    An envelope that contains me,
    Defines me,
    Limits me.

    And everything I am is born in it.
    But is everything that is born in my body mine?

    Universes of desires that arise and grow
    And multiply,
    Fleeting or perhaps eternal,
    Powerful and immense in their power
    Of disconcerting.

    Do they belong to me?

    Desires that are dreams
    Without flesh
    Or material density
    Or geometric contour
    Or palpability.

    Perhaps dreams are a concrete reality,
    As concrete as the most consistent
    Of realities.
    Concrete like a tree or a bridge or a clothesline or a fire
    Or a body.m
    But a reality lacking the senses.

    Concrete,
    But without dimension or volume.
    Without physical outline or measurability,
    Just intention and design.
    Like when you say you want to give me a hug
    Or a kiss,
    But you do not really give me a hug
    Or a kiss.

    My body produces universes of desires,
    Immense in their power
    Of disconcerting.

    But useless.

    What good are dreams
    If you cannot touch them?

    in And when the questions are over? REIMAGINED

    Paulo Kellerman (text) & Ana Gilbert (photo)