
Ficcionar(-me)




Liturgias
Poemas são orações que se escutam nas ruínas de um convento
São rezas matinais em busca da salvação
Poemas são murmúrios de monjas enclausuradas
Que escrevem palavras ilegíveis com os pés no chão de pedra
São como credos depositados no altar para dizer a nossa solidão
Poemas são cânticos de louvor entoados por anjos exilados
Em igrejas à espera de libertação
Anunciações de uma verdade pura e redentora
No ventre impossível de uma virgem estéril
Contas de um rosário de Ave Marias
A procurar narrar o mistério do mundo
Poemas são flagelos
Chagas abertas em corpos incomunicáveis e crucificados como o meu
Sem sacrifício ou Agnus Dei profético que o consiga resgatar
Poemas são rituais litúrgicos
Pautas de música gregoriana com o som da tua voz a ecoar dentro de mim
Livro de Salmos de um amor impossível.
Liturgies
Poems are prayers heard in the ruins of a convent
They are morning prayers in search of salvation
Poems are the murmurs of cloistered nuns
Who write illegible words with their feet on the stone floor
They are like creeds placed on the altar to tell of our loneliness
Poems are songs of praise sung by exiled angels
In churches waiting for liberation
Announcements of a pure and redeeming truth
In the impossible womb of a sterile virgin
Beads from a rosary of Hail Marys
Trying to narrate the mystery of the world
Poems are scourges
Open wounds on incommunicable and crucified bodies like mine
With no sacrifice or prophetic Agnus Dei to rescue it
Poems are liturgical rituals
Staves of Gregorian music with the sound of your voice echoing inside me
A book of Psalms for an impossible love.
Texto | Text: Ana Paula Jardim
Fotografia | Photography: Ana Gilbert
FOTOGRAFAR PALAVRAS, este nosso projeto bonito, criado e dinamizado pelo Paulo Kellerman

“Senti o cheiro de água doce no lençol que recobria a cama, e por muito tempo resisti ao sono, tentando acalmar o interior de meu corpo que ainda pulsava vivo ao afeto que havia recebido.”
Itamar Vieira Junior ( Torto arado)

“O que é sondado pela escuta é a intimidade, o segredo do coração: o Erro.”
Roland Barthes (O óbvio e o obtuso)

“se não sais de ti, não chegas a saber quem és.”
José Saramago (O conto da ilha descoonhecida)

Volto a ti como se de um reflexo pavloviano se tratasse. Tens razão, somos mesmo como cães. Se calhar devia aprender a rosnar.
I come back to you as if it were a pavlovian reflex. You’re right, we really are like dogs. Maybe I should learn to growl.
Texto | Text: Márcia Oliveira
Fotografia | Photography: Ana Gilbert
Fotografar palavras, projeto criado pelo Paulo Kellerman e recriado diariamente por nós.


two lovers embrace
old bed springs chant rhythmically
it might not be love
Frederick Fullerton (2023)

more distant than stars
and nearer than the eye
T.S.Eliot


“morning fog lingers
erases night’s fantasies
alone and naked”
Haiku # 59 by Frederick Fullerton (2023)







An original short story video by Derek Letsch, inspired by my artwork.
(follow the link)





Você
tem que aprender
a respeitar a vida humana, disse o juiz.
Parecia justo.
Mas o juiz
não sabia que, para muitos,
a vida não é humana.
O prisioneiro retorquiu:
há muito me demiti de ser pessoa.
E proferiu, por fim:
um dia,
a nossa vida será, enfim,
viva e nossa.
Mia Couto [poemas escolhidos]